Na borda de um vasto vale, onde os ventos traziam o cheiro doce
das flores silvestres, erguia-se a Fortaleza das Memórias, um castelo
que parecia desafiar o próprio tempo.
Suas torres altas tocavam as nuvens, e as
janelas, de vitrais coloridos, refletiam um caleidoscópio de luz que dançava
sobre as pedras desgastadas pelo tempo.
Diziam que cada cor e cada brilho ali
traziam uma emoção diferente das lembranças guardadas.
O alquimista que construiu o castelo, conhecido apenas como Maestro
Ansem, era um homem de grande sabedoria, mas também de um coração solitário.
Ele perdeu tudo o q
ue amava—família, amigos e até sua própria terra natal.
Devastado pela dor, ele dedicou sua vida à compreensão da essência das
memórias, acreditando que nelas residia a verdadeira alma das pessoas.
E assim,
forjou a magia do castelo: um encantamento que podia capturar a essência dos
momentos vividos.
Quando alguém cruzava os portões de ferro da Fortaleza, um
estranho frio percorria o corpo, seguido por uma onda de calor aconchegante,
como um abraço familiar.
As memórias que o visitante mais valorizava começavam
a ser projetadas em um vasto salão, onde as paredes se moviam constantemente,
como se estivessem vivas.
Ali, podia-se ouvir as risadas perdidas de um ente
querido, reviver a dança de um casamento, ou até ver o instante em que uma
criança deu seus primeiros passos.
Alguns visitantes choravam de emoção; outros
saíam transformados, com um novo propósito.
O Maestro Ansem, por outro lado, observava tudo em silêncio.
Dizem que ele buscava incessantemente uma memória perdida: o rosto de sua
filha, que ele, devido à passagem do tempo, não conseguia mais lembrar por
completo.
Mas, estranhamente, a magia do castelo nunca lhe devolveu essa
lembrança, como se o próprio feitiço tivesse criado um limite que ele não
poderia atravessar.
O Maestro Ansem passava seus dias vagando pelos corredores do
castelo, observando as memórias dos visitantes fluírem pelas paredes vivas,
enquanto seu coração permanecia pesado com a lembrança incompleta de sua filha.
O rosto dela era como um borrão em sua mente, uma pintura desbotada pelo tempo,
e isso o atormentava profundamente.
Ele começava a duvidar se a magia que
criara o castelo era, de fato, tão poderosa quanto acreditava.
Certa noite, enquanto o vento sibilava pelas torres altas, o
alquimista ouviu um som que nunca antes havia escutado no castelo: o riso de
uma criança.
Era um som suave, que parecia ecoar pelos corredores como uma
melodia distante. Intrigado, seguiu a risada até uma parte do castelo que ele
raramente visitava, uma câmara secreta escondida por trás de uma porta antiga e
desgastada, coberta por runas esquecidas.
Quando ele abriu a porta, encontrou um salão que nunca havia
visto antes.
No centro, havia um espelho imenso, sua moldura trabalhada com
detalhes de flores, estrelas e símbolos que representavam o ciclo da vida.
Este
espelho não refletia o presente, mas memórias esquecidas, preservadas como uma
biblioteca oculta dentro do coração do castelo.
Ao se aproximar do espelho, Ansem viu reflexos de momentos
preciosos.
Lá estava sua filha correndo por um campo de flores, sua risada
cristalina como música para seus ouvidos.
Lá estavam suas mãos pequenas
segurando as dele com força, enquanto ela aprendia a caminhar.
Lá estava o
sorriso dela, tão radiante que parecia iluminar todo o salão.
No entanto, o espelho mostrava mais do que apenas memórias
felizes.
Ele também revelou momentos que Ansem havia enterrado no fundo de sua
alma: o momento em que ele se afastou dela em busca de seus estudos de
alquimia, sua promessa de que voltaria antes que o inverno terminasse—a
promessa que ele não conseguiu cumprir.
Ao ver essas imagens, lágrimas
escorreram por seu rosto, enquanto ele compreendia a profundidade de sua
própria dor e arrependimento.
Mas algo mágico aconteceu.
Ao encarar essas memórias, o espelho
começou a brilhar intensamente, e a imagem de sua filha apareceu clara e nítida
como nunca antes.
Nesse momento, Ansem percebeu que o castelo não tinha
escondido a memória dela dele, mas aguardado até que ele estivesse pronto para
enfrentá-la com o coração aberto.
Com o coração finalmente em paz, o alquimista entendeu que as
memórias, mesmo as dolorosas, são parte essencial de quem somos.
Ele deixou o
salão com uma nova missão: usar a magia do castelo não apenas para guardar
memórias, mas para ajudar outros a encontrarem a paz com suas próprias
histórias.
Um dia. a Fortaleza começou a desaparecer.
Pouco a pouco, suas
torres começaram a se dissolver no ar como poeira de estrelas, até o castelo
inteiro sumir da vista dos homens.
A última pessoa a vê-lo contou que, ao
final, o castelo deixou uma mensagem gravada no solo, escrita em uma língua esquecida.
Traduzida, dizia algo como:
"As memórias mais preciosas não estão em um lugar, mas
dentro de cada coração que se lembra de amar."
Alguns dizem que o castelo ainda surge nas noites em que a lua
está cheia e os ventos são calmos.
Mas apenas aqueles que ainda carregam um coração cheio de
memórias—boas ou dolorosas—podem encontrá-lo e atravessar seus portões
novamente.