A BONECA
daisy aguinaga d’eibar
Era uma vez uma boneca de louça, feita à mão com tanto cuidado que
parecia ter vida própria. Seus olhos de vidro brilhavam como estrelas, e suas
bochechas pintadas tinham um tom de rosa suave.
Era o tesouro de Clara, que a chamava carinhosamente de Sofia.
Durante anos, Sofia acompanhou Clara em todas as suas aventuras, ouvindo
segredos, partilhando risadas e até secando lágrimas.
Mas o tempo passou, e Clara cresceu.
A boneca, agora esquecida, repousava em meio a velhas caixas e
móveis cobertos por lençóis, observando as partículas de poeira dançarem na luz
tímida que se infiltram pelas frestas
O silêncio do sótão tornou-se sua companhia, e ela imaginava se
algum dia veria novamente a luz do dia e, no silêncio, aguardava, talvez um
olhar, talvez um toque, talvez um sussurro familiar que nunca mais veio.
Quarenta anos depois, um dia, uma menina curiosa, chamada Luna,
sobrinha-neta de Clara, resolveu explorar o sótão.
O sótão era um santuário do tempo. Feixes de luz dourada escapavam
pelas frestas, iluminando as partículas de poeira que dançavam como pequenos
vaga-lumes. O cheiro de madeira antiga e livros guardados há décadas dominava o
ar. Sob os passos de Luna, as tábuas do chão rangiam como se sussurrassem
histórias há muito esquecidas. Malas de couro desgastado, caixas empoeiradas e
um cavalete tombado estavam dispostos de forma caótica, mas cheia de histórias.
Quando seus dedos tocaram Sofia, o frio do vidro dos olhos da boneca encontrou
o calor de suas mãos pequenas – como se um elo entre gerações tivesse acabado
de ser formado.
Ao abrir uma das caixas, seus olhos encontraram algo mágico: Sofia,
ainda impecável, como se o tempo não tivesse deixado marcas.
Com suas mãos pequenas e cuidadosas, Luna pegou a boneca, seus
olhos brilhando com curiosidade e encanto. Era como se Sofia tivesse aguardado
todo aquele tempo apenas por aquele momento, por aquele olhar.
Luna, encantada com a boneca, pegou-a nos braços e sentiu uma
estranha conexão. Quando Clara viu Sofia novamente, lágrimas correram por seu
rosto. Ela contou a Luna todas as memórias que Sofia havia testemunhado, e a
boneca, silenciosa como sempre, parecia mais viva do que nunca.
Ao descer correndo com a boneca nos braços, Luna encontrou Clara,
agora uma senhora de cabelos grisalhos e olhos carregados de saudade. Quando
Clara viu Sofia novamente, uma avalanche de memórias a envolveu. Sua voz
trêmula de emoção contou histórias de uma infância há muito passada, de
aventuras que só Sofia conhecia. Enquanto narrava, os olhos de Luna brilhavam,
e a conexão entre as três – Clara, Luna e Sofia – parecia transcender o tempo.
Sofia, que antes era apenas uma boneca esquecida, tornou-se
novamente o elo entre gerações, uma testemunha silenciosa de amor, risos e
histórias que nunca morrerão.
A boneca ganhou um novo lar e uma nova amiga, enquanto Clara, agora
uma senhora, viu sua infância renascer nos olhos de Luna.
Com a boneca de louça nas mãos de Luna, Clara sentou-se em uma
poltrona antiga, seus dedos enrugados tocando delicadamente a peça, como se o
tempo pudesse ser revertido com aquele toque. Sua voz tremia, não de fraqueza,
mas do peso das memórias que surgiam como ondas incessantes.
“Eu tinha uns sete anos,” começou
Clara, seus olhos perdidos em um horizonte invisível. “Eu e Sofia vivíamos
aventuras que ninguém mais podia entender. Ela era minha confidente, minha
heroína, e às vezes até vilã nas minhas histórias. Quando o verão chegava,
levava Sofia comigo para o campo. Corríamos juntas entre as árvores, inventamos
histórias de princesas e castelos...” Clara deu uma risada curta, interrompida
por um nó de emoção em sua garganta.
Ela continuou, agora com a voz um pouco embargada, descrevendo as
noites em que sussurrava segredos para a boneca à luz de uma lanterna,
imaginando que a boneca poderia responder.
“Eu dizia a ela coisas que nem para
minha mãe contava. Sofia sabia tudo sobre mim. Ela era... meu mundo.”
Quais segredos que Clara teria contado à sua querida
boneca Sofia?
Clara, quando criança, tinha uma quedinha por um menino da escola.
Ela escrevia pequenas cartas de amor e as guardava sob o travesseiro, mas só
tinha coragem de ler para Sofia, sussurrando baixinho para ninguém mais ouvir.
As palavras pareciam fluir como um riacho melancólico, e Luna ouvia
com atenção, sentindo-se conectada não apenas à tia-avó Clara, mas também a
Sofia, que agora parecia muito mais do que apenas uma boneca. Enquanto Clara
falava, uma lágrima silenciosa escorreu por seu rosto, como se cada memória
narrada carregasse um pedaço de sua infância que nunca quisera abandonar.
Certa vez, Clara e sua boneca foram "explorar" um jardim
abandonado que ficava na vizinhança, um lugar onde os adultos tinham proibido
de ir. Clara imaginava que o jardim estava cheio de fadas escondidas e dizia a
Sofia que era sua "missão secreta."
Adorava desenhar e tinha um caderno especial onde criava
ilustrações de mundos mágicos. Mas ela achava que ninguém entenderia sua
imaginação, então mostrava apenas para Sofia, dizendo que ela era a guardiã
desses mundos.
Esses segredos criam uma conexão emocional ainda mais profunda
entre Clara e a boneca.
Ela tinha medo do escuro, mas não contava para ninguém além de
Sofia. À noite, ela segurava a boneca bem apertada enquanto imaginava que ela
era uma corajosa guardiã contra os "monstros" invisíveis que poderiam
aparecer.
Clara sonhava em viajar para lugares distantes e desconhecidos. Ela
dizia para Sofia que, um dia, elas iriam juntas visitar castelos encantados na
Europa ou descobrir tesouros escondidos em ilhas tropicais.
Quando ela brigava com suas amigas ou se sentia solitária, ela
chorava baixinho e confidenciou a Sofia como se a boneca pudesse confortá-la:
sempre a "ouvia" sem julgamento e era sua amiga mais leal. Clara
tinha um jeito alegre de ser, mas como toda criança, havia dias em que o peso
do mundo parecia recair sobre seus pequenos ombros.
Sempre que algo a magoava, ela procurava o refúgio do seu quarto,
onde Sofia, a boneca de louça, esperava pacientemente em sua prateleira. Clara
pegava Sofia com cuidado, como se o simples toque da boneca pudesse acalmá-la,
e se acomodava em sua cama, abraçando-a com força.
Era ali, longe dos olhares curiosos e das perguntas indesejadas,
que Clara deixava suas lágrimas rolarem. As brigas com suas amigas na escola
eram as mais difíceis de suportar. Aquelas palavras ríspidas e o sentimento de
exclusão doíam mais do que ela conseguia explicar.
"Por que elas não gostam mais de
mim, Sofia?" sussurrava, com a voz embargada, encarando os olhos de vidro
da boneca, que pareciam brilhar ainda mais sob a luz fraca da tarde.
Clara também chorava quando sentia falta do pai, que viajava muito
a trabalho. Nas noites mais solitárias, ela falava baixinho com Sofia, como se
a boneca fosse um portal para suas emoções mais profundas.
"Será que ele sente minha falta
também?", perguntava, enquanto acariciava os cabelos perfeitamente
moldados da boneca.
Clara queria ser escritora quando crescesse, mas tinha vergonha de
contar para os outros, com medo de que rissem do seu sonho. Ela escrevia
pequenos contos e lia apenas para Sofia, dizendo que a boneca seria a primeira
a ver seu futuro livro publicado.
Embora a boneca não pudesse responder, para Clara, ela era mais do
que uma boneca; era um receptáculo de seus sentimentos, um símbolo de aceitação
e compreensão em um mundo que, às vezes, parecia difícil demais de enfrentar.
Depois de desabafar, ela sempre se sentia mais leve, como se, de algum modo, a
boneca tivesse absorvido um pouco da sua dor, deixando espaço para um sorriso
tímido voltar ao seu rosto.
Havia uma relação de confiança e cumplicidade entre elas.
Essa relação entre Clara e Sofia era um vínculo especial que
transcendia palavras e tempo.
No silêncio daquele quarto, a boneca era a guardiã de segredos que
Clara não tinha coragem de compartilhar com ninguém mais.
Agora é sua vez de dar prosseguimento à História.
Descreva
a relação de Luna com a boneca
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